vieiracalado-poesia.blogspot.com

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

NU TEMPO

X

"A nossa consciência é o próprio tempo!" 
Henry Bergson


Somos, pois,
apenas personagens do exercício de passar
pelo espaço, que julgamos ser o nosso tempo,
um poema – talvez um poema… –,
ou um simples texto ausente de sintaxe ou nexo,
escritos nos interstícios do vento!

Porque eles coabitam nos átomos do ar,
como nós em outrem coabitámos
desde antes de sermos nós,
sem conhecer as fronteiras do contínuo futuro
no seu espaço/tempo, sem era e cem limites
que num abraço longínquo escoa os seus limites,
numa ampulheta vertical sobre a cabeça.

Porém, és tu que dá corpo e dependência
à tua sede de utopias e delírios,
como numa emoção estética 
somos nós quem dá vida a um quadro intemporal ‒
o prémio de entender a passagem ímpar dos corpos
pelo abstrato fruto da inquietação.


  (…)

 Pág 67 do poema "Nu Tempo", a publicar.

sábado, 28 de novembro de 2015

Façamos hoje o mesmo gesto

'
Façamos hoje o mesmo gesto delicado
dos nossos avós

em memória dos princípios que regem
o propósito antigo
de plantar uma árvore onde havia outra árvore
no chão que persiste

o projecto lhano do destino
de ir substituindo gerações por outras gerações
sobre a terra.

Façamos esse mesmo gesto delicado
em memória dos nossos avós
e do seu propósito antigo de reger-se
por processos que persistiram desde os antigos

que plantavam árvores para a ventura
de ver a terra coberta de flores e seus frutos
para seus filhos

filhos de seus gestos antigos dedicados
de ir plantando árvores
sobre a terra.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Sou um tresloucado


Sou um tresloucado à procura de sossego,
um pária errante em cata duma pátria
que me traga no sossego a plenitude,
a harmonia própria duma pátria

longe de vulcões de pântanos e de lama,
comércio de almas e valores corrompidos,
longe da vacuidade da vanglória
e mais longe ainda do atropelo à dignidade,

mesmo dos que não sentem o atropelo
por desgraça de não saber ou não o querer,
tresloucados como eu vivendo a vida,

esta vida que não quero mas não desdenho
que a vida é fardo leve de quem tem
o mal de amar sem perda ou recompensa.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

NAQUELA NOITE


 
Naquela noite sonhei que sonhava.

Era dia.

No meu sonho estavas tu alegre nem um pássaro
subindo no meio duma fresta de sol,
em inverno rigoroso.

Eu sonhava e dizia-te sonhei contigo,
estavas tu a sorrir sentada no chão,
enquanto a chuva caía sobre uma árvore despida de folhas,
meditativa.

Era uma sensação plena de ternura
pelos teus grandes olhos azuis alucinados,
ignorante da vacuidade dum extenso fogo
que eu já vi nos despenhadeiros
por onde andam os répteis absurdos,
nas linhas verticais dum desejo.

O teu corpo reclinava-se,
voava em cima dum enorme bloco de gelo
que transfigurava tudo no cinzento dum pombo, 
na noite plúmbea do mar.

Eras tu que vigiavas uma fábrica de beijos,
homens e mulheres de estranhos capitéis
para se protegerem da geada
ou talvez da antiga ciência do deslumbramento.

Eu era apenas uma sombra.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

VERTIGEM


Vertiginosas são estas árvores que eu vi nascer.

Vertiginosas suas folhas desprendidas em cascata,
a história transparente do granizo embranquecendo
o meu cabelo, as minhas múltiplas peregrinações
num cântaro de luz, como pétalas de veludo acariciando
os meus olhos deslumbrados de menino.


Vertiginoso é este caminho de corais e anémonas
que preenche o mar dos meus abismos,
um claustro de iluminuras e ludíbrios de cristal
que descerra clareiras e frágeis seduções
pairando sobre o limbo duma tempestade violenta,
em nuvens de poeira e exercícios de alquimia. 


Vertiginosas são as cores, os desígnios das estrelas,
a sua perene vitalidade, em todos os céus do céu,
em todos os lugares onde tem lugar a terra-mundo,
como lâminas de aço cortando os meus devaneios,
a minha absurda ingenuidade, o muro dos murmúrios
que desce em rampa até ao fundo da minha mágoa.

domingo, 4 de outubro de 2015

POEMA DRAMÁTICO


Fechado durante séculos,
o livro guardava o mistério das altas torres,
a água subterrânea das fontes.

Um nómada inquieto, 
filho das sombras,
indiscreto como uma criança,
o abriu.

Dentro, permanecia, inerte,
absorta no seu segredo, a gravura.

Quando o papel me chegou às mãos,
trazia pintado, a lápis de cor,
esse edifício imponente em seus tons verde e castanho,
como uma árvore.

Era a imagem comovente de antigos cadafalsos,
que arrepiava os ossos de perceber a intensidade
e o drama daquelas vidas,
hoje apenas o verdete nos beirais das casas,
uma luz oblíqua e um tecto despovoado 
aberto às chuvas e aos pássaros 
que sopram nos princípios da primavera. 

Observo este estado de alma,
esta vertigem de ver os artifícios duma flor confrangedora 
apegada à utopia,
numa sensação de frio, de imprecisos contornos,
da claridade esmorecida.

Regresso ao mundo, fora do castelo tranquilo.

A angústia mistura-se a um murmúrio,
a uma tranquilidade virtual,
a sedução pelo equilíbrio do sistema.

A gravura voltara para o interior do livro,
ao seu lugar de repouso,
fechado para outros séculos de indulgência.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

SEM REGRESSO


No sem regresso das formas,
amarela lanceolada folha
sobre a terra.

Como a luz,
desnuda
o brilho opaco da nervura

enquanto a cinza
que desenha

 se deslumbra.

sábado, 12 de setembro de 2015

O LIVRO ANTIGO


Folheemos este livro antigo,
os lábios múltiplos da página
que disse a madrugada,
o jardim que desenhou
o corpo diligente dos insectos,
a fogueira do horizonte
que amareleceu estas flores breves.


Folheemos este livro
nas sombras onde cai uma janela
de silêncio,
o sol poderoso
de olhar as planícies,
os cristais da terra.


Folheemos este livro antigo,
o abismo entreaberto nestas páginas,
a cerimónia comovida
consumida por ecos
de imagens doutros dias  
que dizem a palavra longe

onde haveremos de habitar.

domingo, 30 de agosto de 2015

COMO AQUELES OLHOS


Como aqueles olhos que disseram a tua eternidade
até ao fim do mundo

que o fim mundo é a tua ideia derradeira
do tempo
e do abalar dos dias

a visão do que foi eternamente passado
longe para sempre
daqueles olhos que te disseram o dia de ontem

em POEMETOS II - recentemente publicado


domingo, 16 de agosto de 2015

PERDEDOR

Tenho sido sempre um perdedor das coisas simples
no espaço aritmético do coração aberto ao mar.

O meu sangue é um rio deslumbrado das escarpas
que me apertam os ossos ébrios das montanhas
dos altos cumes onde habita a águia
donde se vê de mais perto as estrelas trémulas da alegria.

Sou um perdedor das coisas fáceis, das águas breves
que se amontoam em crepúsculos do passado
e na sucessão vertiginosa de restituídas seivas
inscritos na lápide dos pensamentos nítidos.

Transmito-me pelos limites da maré e dos céus     
que se aprisionam da flauta dos meus olhos
no violoncelo na harpa encandeada
dos dias por onde passo e me consumo.


quarta-feira, 22 de julho de 2015

Eloísa


O meu nome é Eloíza
onde queria eu estar senão em Ibiza
no Mediterrâneo

se trago esta rosa em flor
no sub-cutâneo!


Algures no Mediterrâneo, 1972


em "Poemetos II", a ser apresentado brevemente,
na "IV Mostra de Autores de Lagos", em Lagos