vieiracalado-poesia.blogspot.com

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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O MEU TEMPO


Não vou dizer-te os meus pensamentos íntimos
não quero convencer-te do que é inútil e vão
para a história impreterível das eras,
o redundante levado pelo fio dos séculos
direito a um céu velho de estrelas

porque o meu tempo é o que corre nas minhas veias
e só a mim pertence,
porque é apenas infinitivamente meu
o novelo de pó que a areia reorganiza
na geografia dum deserto,
a harmonia própria do meu próprio deserto.

em "AS NOITES E OS DIAS", Ed. Litoral, 2014

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

OS MUROS DA CIDADE


Onde inventar um caminho legítimo
para o êxodo, uma porta entreaberta
respirando o ar que vem da terra?

Os muros da cidade sustentam-se
destas incertezas, destas cortinas
de fogo, este balbuciar de cansaços
imperfeitos, tranquilos como fumo
esparso, dispersando vozes alheias.

Não nos inclina a dureza das pedras,
a sua fiel sabedoria de intransigências.

Mas tarde é inútil, para fingir exílios.

Hoje já é ontem, para o fim indiciado.

...em "CAUSAS DE HABITUAÇÃO" - a publicar

domingo, 4 de janeiro de 2015

OS TEUS OLHOS


Os teus olhos perpetuavam a lembrança dos grandes rios
perpassando na bruma antiquíssima da montanha
e tinham o silêncio trémulo transparente das estrelas
que se extinguem ao clarim da aurora

Os teus olhos tinham a serenidade dos grandes dias
iluminando a cinza prateada das escarpas
na cor serena tranquila das memórias
que renascem ao clarim da aurora

Os teus olhos tinham o sussurro rumorejante das ervas
onde crescem os ventos ágeis da planície
a luz milenar da manhã primeira
que me acordou ao clarim da aurora.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

AS COISAS


Olho demoradamente as coisas
que me rodeiam.

Elas aí estão, paradas, em seu esplendor
de existir
no seu tempo de lugar absoluto.

Mas apenas consomem o tempo,
o meu questionar
no seu esplendor parado,
como um poema escrito
e nunca verdadeiramente entendido.

em As Noite e os Dias, ed. Litoral. 2013

DESEJO UM NOVO ANO PRÓSPERO E FELIZ,
A TODOS OS MEUS VISITANTES!

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

NATAL DOS SEM-ABRIGO


Naquela noite fazia frio fazia pena
ver almas despedaçadas deitadas corpos entrouxados
dispersos nas calçadas luzidias do passeio das ruas.

Caía uma névoa fina que simulava chuva punhais
de raiva e resignação ou antes uma levada de mágoa
de murmúrios sem data sem fumo sem restos de cio
perdidos num mar de pedras nas calçadas da rua.

Era uma noite de claustros tambores rufando clamando
os clamores da vida a náusea descrente na boca sofrida
o granito fundido já duro das lutas perdidas
pisado nos ossos nos ombros nos olhos que olham
as coisas de fora nas coisas de dentro
e as noites nos dias e os búzios na praia sem vento
soprando as pedras do passeio da rua.

Doía a quem doía não fora a noite uma noite
de aprazimento em todas as aldeias da cidade
tempo de alegrias acepipes farturas alvarinho
em casas abastadas sobranceiras aos passeios da rua ‒
o mais vago grave desígnio dum oráculo de plenitude
na inocência das crianças nas crenças na sentença
dos mecanismos que levam ao enternecimento
por ver a chuva a cair sobre corpos alheios
prostrados enrodilhados no manto do passeio das ruas.