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quarta-feira, 2 de agosto de 2017

O POETA

O poeta só diz o que ninguém sabe
só espera o que nunca pode dar-se
o milagre que não virá a repetir-se
o que nunca tampouco tem sentido
      
o poeta conhece as cores pelo cheiro
as formas pelo tempo
o grito pelo tacto.

o poeta escapa entre os dedos
é um peixe paleocénico
o poeta chora em língua estrangeira

o poeta só não acredita no que crê
é um sábio geómetra doutras dimensões
de mundos paralelos que são planos
oblíquos como espinhos no interior da casa
só sabe da eterna ressurreição da palavra
na transmutação lunar dos dias                                                      
feita eco de fragrâncias mágicas
só crê na fraterna limpidez das seivas
na concreta viuvez dum líquen

o poeta é um bicho instigador
demolidor

Quando o  poeta sai à rua
come pedras e pó
alimenta-se do ar
corre a cidade com os lábios
atrasa o barco dos horários
só embarca em navios com árvores por dentro
e pássaros nos remos
direito ao grande mar da obscuridade
e da ciência abstracta dum beijo.
      
O poeta não tem medo da chuva
nem de tremores de terra
nem do ágil vento sobre a cabeça
o poeta sai descalço
avança destemido por entre as pedras
porque das pedras reconhece os cristais
e a palha
o poeta respira pelos poros
dos ouvidos
e é com os ouvidos que compõe
a música matinal perpétua
que traz nos olhos.